This artwork was commissioned
to illustrate the story bellow.
Hope you enjoy :)
A invenção da fala
O professor orientou seus alunos sobre a invenção da escrita.
Lá por volta de 3000 A.C, e que a partir dai se atribuiu a divisão entre história e pré-história. Na Pré História eram desenhos feitos nas paredes das cavernas. Na História, na antiga Mesopotâmia, os sumérios organizaram a escrita cuneiforme. Depois os egípcios com seus hieróglifos.
Até hoje a escrita vem sendo reciclada, reinventada, reatualizada. Hoje pintamos em telas eletrônicas com teclados touchscreen, abreviando, apelidando, traduzindo e ressignificando. Mas e a fala? Como surgiu a fala? Será que as primeiras palavras foram gritos, grunhidos, gemidos? Quem teria sido o primeiro bebê a pronunciar “mamãe” depois de abrir um sorriso?
Aqui vamos nós. Vamos abrir uma janela dentro da máquina do tempo que existe nos nossos pensamentos. Vamos viajar para quando as fêmeas e machos já estavam acostumados a fazer fogueiras e cozinhar alguns alimentos ao redor do fogo. Foi quando começou a sobrar mais tempo para nossos ancestrais utilizarem a boca, antes ocupada com as tarefas de lamber e mastigar os alimentos enquanto não estavam dormindo, colhendo ou caçando. Os primeiros barulhos produzidos pelas bocas sinalizavam perigos, contrariedades, sensações. UHUHUHAAAAAHUHUHUHAAAA: Um tigre se aproximando! Uhh GRRRR AH Uh uh GRRRR: Solta meu naco de carne. Ummmmm ummmm mmmm: Que delícia essa banana.
Enquanto vocês ainda estão olhando para dentro da janela da máquina do tempo, vou contar para vocês a estória de duas personagens. Poderíamos chama-las de índio e índia. Homem das cavernas e mulher das cavernas. Adão e Eva. Ou qualquer outro nome. Mas vamos chama-las simplesmente de Macho e Fêmea.
Um Macho e uma Fêmea vivendo numa época que nossos ancestrais ainda não sabiam que poderiam utilizar suas bocas e seus cérebros para falar e para entender falas.
Caminhava, faminto pela sua condição e inspirado pela sua abundância de hormônios, nosso jovem e valente ancestral. Peludo e cabeludo, o Macho, através de uma densa e linda floresta tropical. Andava em busca de alimentos, pela necessidade de sobreviver, e em busca de parceiras para se reproduzir pelo seu instinto.
No meio da floresta tropical, cores vibrantes e formas excitantes se destacavam despertando a fome e a curiosidade do Macho. O Macho então percebe uma planta esplendorosa, com sua flor aberta em tons avermelhados, apresentando seu estigma sedutor, suas pétalas com seus lábios brilhando umidificados. Com seus instintos despertados pela flor, o Macho a retira da planta para toca-la, passa seus dedos pelas pétalas, cheira, toca levemente com a língua e se arrepia e se excita. E num impulso tentando aprisionar aquele instante ele acaba por guarda-la em meio a sua cabeleira. E segue seu caminho pela floresta.
Depois de caminhar mais algumas horas, o Macho escuta um barulho de água e prossegue na direção desta fonte sonora. Ele encontra um córrego, prossegue pela sua margem que se abre numa pequena foz.
O Macho aproxima-se silenciosamente até perceber um animal, parecido com ele, de cócoras na beira do riacho com as mãos ocupadas mexendo no barro. Chegando mais perto ele nota o vulto agora de quatro, talvez tentando capturar algum peixe num recôndito das pedras, o animal é quase igual a ele, mas já é possível identificar pela diferença nas formas que o vulto é um pouco diferente. É a Fêmea. E a Fêmea esta ali, indefesa, praticamente encurralada entre o riacho e o Macho que se aproxima. E ele está vazio de alimentos e cheio de hormônios.
Só então a Fêmea percebe a aproximação do Macho. Assustada e indefesa, entre desconfianças e certa curiosidade ela se encolhe. Abraça suas pernas com seus braços delicados e envolve seus dedos uns através dos outros, na frente das canelas, agachada, apertando os ombros, como quem se fecha na defensiva.
Depois levanta o olhar na direção do Macho, a espera de uma atitude abrupta, selvagem. Apesar do instinto latente, latindo, a semelhança, as delicadezas e os perfumes impregnando a paisagem fazem o Macho lembrar a experiência da flor colhida mais cedo.
A lembrança contém o impulso selvagem do Macho, e o Macho no lugar de avançar sobre a Fêmea retira do meio de sua cabeleira a Flor guardada. Ele estica a mão diante de seus olhos e então compara a flor com a Fêmea.
Absolutamente surpreendida, a Fêmea acaba por balbuciar, num misto de expectativa, curiosidade e instinto... um grunhido incontido, um sussurro irrefreado: - Dô Dor?! O Macho envolto nas mesmas sensações da Fêmea, tentando escutar, tentando entender, tenta repetir o que acaba de ouvir: - Flor? A Fêmea por sua vez escuta um pouco diferente: - Amor? Finalmente o Macho escuta e entende perfeitamente o que acaba de ouvir. E consegue repetir o que a Fêmea expressou: - Amor!
Ele entrega a Flor para a Fêmea. A Fêmea recebe a Flor. E Macho e Fêmea, pela primeira vez, fazem Amor. E assim surgiram as palavras Dor, Flor e Amor.
Assim surgiu a Poesia. Assim surgiu o amor. Estava inventada a FALA. E percebam. Como não poderia ser diferente. Foi a mulher, afinal, e não o homem, quem inventou a fala!